quinta-feira, 10 de maio de 2012

Dom - By Ti Carvalho


                Sempre me disseram, que nos últimos segundos de vida, toda ela desfila diante de seus olhos! Em todos os meus anos como policial, mesmo nos momentos assustadores, isso nunca tinha me acontecido, mas também antes, nunca estive prestes a morrer...
                Lembrei-me de cada segundo, da infância pobre, na Favela de São Luiz, de ver os meninos ricos, querendo ser como eles, com seus brinquedos e roupas caras.
                Veio minha entrada para a Polícia, o desejo de fazer o bem, e o ódio de perceber que não importa o que você faça nada nesse país nunca muda, e que os verdadeiros bandidos estão numa mesa pública!
                Lembrei-me de cada detalhe, da primeira mulher que beijei, do primeiro homem que matei, mas, não consegui me lembrar quando parei de acreditar no que era certo ou errado. Eu já há muito tempo não era um policial, pelo menos não de fato. Tinha farda e arma, me chamavam de sargento, mas eu era só um lobo em pele de cordeiro.
Mas do que mais me lembro mais que tudo, foi daqueles olhos verdes...
Quando ela entrou no boteco do Jair, parando tudo e todos, com aqueles peitos fenomenais aquela bunda que nem cabia no shortinhos e com aquela boca que pedia para ser beijada jamais imaginei que ela mudaria minha vida para sempre!
O Boteco do Jair fica numa pequena esquina, logo no começo do morro, sendo a garagem de uma antiga casa transformada em bar. A porta é de metal que corre para cima, e a fachada é pintada com uma tinta vermelho acre. O interior é revestido por azulejos antigos, em sua maioria branco, com alguns faltando, pôsteres e bandeiras do flamengo decoram o lugar todo.
                E ela veio chegando serpenteando, pelas mesas de madeira com toalhas rubronegra, tudo naquele corpo remetia a sexo, mas o olhar, os olhos verdes e exóticos naquele rosto cor de chocolate eram enlouquecedores! Claro, que no morro tinha muita mulatinha de olho azul, mas nunca gostei de lentes de contato, e aquelas duas poças de cobre envelhecido eram naturais e hipnóticos.
                - Como é que vai Sargento Moreno? - Ela falou naquela sua voz rouca e sensual.
Eu a desejei naquele momento!
                - Melhor agora minha princesa! - Puxei-a pela cintura, embora três de meus dedos já tocassem aquelas nádegas perfeitas! Entre os seios siliconados um enorme colar todo em ouro, com um gigantesco “D” cravejado de diamantes, meus olhos se fixavam naquela cena. As duas coisas que eu mais amava ao alcance dos meus olhos. – Nunca te vi por aqui minha boneca.
                - Tenho uma proposta para você, ela falou com aqueles lábios tão perto do meu pescoço me dando arrepios. Puxou um celular dourado, e me deu.
                Atendi ao telefone, um homem falou, num estranho sotaque italiano, visivelmente caricato. Oferecia-me o controle do morro em nome dele, era um grande e misterioso traficante, seu nome, somente “Dom”.
-“Seja meu Capo, mio bambino, e Io te farei molto Rico!” – Era uma voz jovem percebi. – Seja fiel a mim e te farei molto rico
No inicio ri daquela situação surreal, mas aos poucos o Dom se mostrou verdadeiro, os traficantes começaram chegar, dei cobertura a eles, e assim, a coisa toda começou.
Fiquei rico! Mais do que podia imaginar, ouro e mulheres se tornaram constante na minha vida, mas ela, a morena de olhos verdes, nunca estava ao meu alcance. “Sou do Dom” ela dizia, “não do Capo!” Odiava aquilo, e odiava como aquela vadia parecia me dominar! Seria luxuria? Ou seria amor? Nunca soube diferenciar um do outro...
As coisas continuavam bem, mas aquela mulher não saia da minha cabeça, e era sempre através dela que eu falava com o Dom, nunca o via, somente pelo telefone. Quando comecei a me tornar poderoso, ele me disse:
- Capo, você precisa ser discreto, não pode chamar tanto a atenção belo! Precisa ser discreto capice? Discreto e Fiel, só isso que te peço. Lembre-se, Bambino, Duas coisas derrubam um homem, dinheiro, e mulher.
Eu sorria, mas nunca gostei de descrição. Enquanto era pobre, a descrição era uma obrigação, não tinha como não ser, mas agora, agora eu podia ser o que quisesse. E eu amava duas coisas mais do que tudo: Dinheiro e Mulher!
O Morro era minha vida, meu “reino particular” eu ganhava um pouco de tudo, e assim ia levando a minha vidinha nada modesta ou discreta. Até que teve aquela bendita festa, onde tudo mudou!
Festas, mulheres, drogas e bebidas eram comuns nas minhas baladas particulares, mas, ela, nunca ia.
Aquele dia foi diferente, ela chegou, cheia de graça e beleza, e foi como se o mundo inteiro tivesse parado. O meu coração batia segundo seu rebolado, e meus olhos estavam fixados naqueles dois olhos cor de oliva. Linda como sempre, ela sorria. Parou a minha frente e começou a dançar, o funk pareceu tocar novamente e ela ia até o chão, me levando as alturas.
- Oi Morenão- Falou com aquela voz rouca e sensual que mais parecia um ronronado.
- Falaí gatinha. Linda e tesuda como sempre ein?
Ela riu gostoso, e me olhou com aquele olhar safado dela – Adoro quando você me chama disso sabia?
Eu sorri, e a puxei pra perto de mim, seus lábios quase nos meus. Ela colocou a mão no meu peito, impedindo-me de beijá-la.
- Não vai rolar capo, você sabe muito bem, eu sou do Dom!
- Porra guria você sempre diz isso, mas rebola e dança que nem uma vadia na minha frente só pra me provocar!
Empurrei a com força, ela quase caiu no chão, me olhou ofendida, mas não saiu de perto.
- Ficou bravo é? Você devia dar graças a Deus, porque eu sempre deixo você tirar uma casquinha.  - Ela sorriu e colocou a mão sobre os peitos, eu estava enlouquecendo já, de tesão e de ódio. Saquei minha arma coloquei na cara dela
Para de me provocar sua vadia ou vai conhecer o poder da minha vadia aqui! – Vadia é o nome de uma das minha 9 milímetros.
Ela pegou a arma com as duas mãos, me olhando firmemente nos olhos, abriu a boca, e enfiou a arma na sua boca da maneira mais sexy e enlouquecedora que uma mulher podia fazer!
Fiquei absolutamente enlouquecido puxei ela com força, ela tentou me bloquear novamente- Para capo já te falei! Eu sou do dom!
-Hoje mulher, eu sou teu dom! – E beijei-a finalmente!
Não me lembro de chegar ao banheiro ou de tacá-la dentro da banheira, mas me lembro de cada segundo dentro dela! Nunca nenhuma mulher droga ou tiroteio me deu a sensação de profundo sublime que aquela mulher me deu! Enlouquecido de desejo somente ouvia ela dizendo: Seja meu Dom, Capo, seja meu Dom!
Não havia mais morro, Dom, Capo ou sargento, havia um cão dominado pela luxuria, nem percebi nos meses seguintes quando o novo Secretário do governo, um tal de José Moraes assumira seu cargo, e nem mesmo, que a polícia chegava cada vez mais perto. Fui exonerado, meus rendimentos caiam, mas só me preocupava a minha Olhos Verdes que sumira!
Desde aquela noite ela desaparecera, procurei enlouquecido por ela, mas fora como se ela nunca tivesse existido!
Fui despertado naquela manhã por um grupo de capangas. Um chute nas costelas me fez despertar assustado, na minha frente um garoto novo não mais de 20 anos. O Dom quer falar! Ele me entregou um telefone
Que caspita está fazendo capo? – A fúria dele era tanta que quase se esquecera de fingir seu sotaque. - Meus negócios estão ficando cada vez menores, e você aí dormindo? Resolva a situação capo! Ou resolvo com você! Quero o Secretário José Moares morto!
Fui trazido de volta a realidade e vi assombrado todo o esquema daquele moleque tinha feito destruindo meu reino encantado, ouvi seu discurso na internet sobre uma nova fase e o combate aos bandidos, minha foto, e o meu nome na TV! Eu era agora o chefão e bandido, e aquela voz daquele moleque, que me era estranhamente familiar, falando que ia me pegar e fazer justiça!
Era a primeira vez em meses, que a minha boneca de olhos verdes deixava de ser a única coisa em que pensava! O capanga do Dom já tinha um plano: simularíamos um assalto, quando o tal secretário chegasse em casa, e daríamos um fim, no desgraçado, na mulher e ainda tocaríamos fogo na casa! Um recado bem dado de que o Dom não aceitava falhas!
Esse seria talvez o momento mais importante da minha vida, tudo ali estava em jogo, e eu só pensava nela, sempre nela, na mulher que mudara meu mundo e agora desaparecera. - Sou do Dom - ela dizia, teria ele descoberto nosso caso? Estaria ela viva? E o que o Dom faria comigo se soubesse? Eu não sabia dizer. Mas tinha que ganhar tempo, mataria o tal secretário faria um serviço bem feito, botaria medo no povo do Rio, como nunca antes fizeram, acharia minha amada, descobriria que era esse babaca de falso sotaque italiano, meteria uma bala no meio da testa dele, me tornaria o novo Dom, e ficaria com minha bela Dona de olhos verdes. 
                Paramos e ficamos de tocaia, anos como policial me serviram bem, vi quando o moleque secretário saiu do escritório. O carro, com a esposa esperando por ele, dei uma olhada com o binóculo, talvez deixasse os rapazes se divertirem com ela antes de meter bala no meio dos olhos dela.
Foquei no rosto dela, minha lentes infravermelhas deixando-a com olhos de gato num mundo em escalas de cinza, e enlouqueci!
Lá estava ela, minha Dona, os olhos brilhavam sem sua luz esverdeada, mas era ela!
Enlouquecido precisava dar um jeito em tudo, matar o cara, e descobrir o que ela fazia com ele! Seguimos o carro, eu e os capangas do Dom, todos com tocas, perfeitos assaltantes, as placas frias e tudo mais, somente a minha moto era a minha! Sim queria que soubessem que tinha sido eu a matar o Conselheiro.
Quando chegamos na entrada da casa, demos uma fechada no carro, e descemos! Eu e meus capangas. Olhei nos olhos dela e vi o terror, saquei a arma, e olhei na cara do desgraçado que tava infernizando minha vida e comendo minha mulher!
E ele me olhou.
Não estava com medo, ao contrário, parecia esperar aquele momento, seus olhos eram frios, e demonstravam um desprezo gelado. Coloquei o dedo no gatilho, e falei. – Matem o Secretário, mas não firam a mulher.
O Primeiro disparo acertou no joelho, fazendo a rótula explodir. O segundo e o terceiro foram no estômago, o quarto no ombro, o quinto furou o pulmão, o sexto explodiu a mão da arma, e só então, é que  começou a doer.
Cai no chão, meus nervos explodindo de dor, a surpresa era tanta, que nem ouvi o que o Conselheiro gritou, mas os disparos pararam, na minha frente minha própria mão decepada ainda tentava apertar o gatinho.
- Darei queixa mais tarde! Levem a moto! Me dêem essa arma.  Ele falou com forte sotaque carioca, sua voz era tranqüila, os supostos assaltantes viraram as costas para mim, e se afastaram. Somente o moleque que me acordara me olhou de relance, deu um riso de escárnio e saiu, e então eu entendi:
Em nenhum momento, o Secretario Moraes fora alvo dos assaltantes. Eu era o alvo, a execução era a minha.
- Por quê?! Perguntei perplexo.
Ele caminhou tranquilamente até mim, do seu lado, minha Dona apareceu. Ele estendeu a mão a ela, que abraçou o braço dele, olhava para mim com pena, as lágrimas surgiam nos meus olhos, meu coração doía mais que meu corpo alvejado.
- Eu te avisei. – o sotaque carioca era marcante, chegava a ser forçado, ele sorriu, - Adoro sotaques Bambino. Ao falar no carregado sotaque Italiano meu mundo desabou de vez, percebi porque a voz era tão familiar, era a única parte dele que eu conhecia.
- Eu te avise Beol, um Capo dever ser discreto, e fiel, te avisei que só o dinheiro e as mulheres derrubam um homem... Você falhou Capo, e eu não admito falhas.
Ele se levantou, deu-me as costas, estendeu a arma. - Capo, Resolva isso!
Ela se aproximou pegou a arma, agachou-se na minha frente, parecia levemente triste, apontou a arma para minha cabeça
-Foi tudo mentira? – Perguntei.

                  -Não - Ela disse.- Nem tudo...

                                                -Eu te falei, que eu era do Dom.
By Ti Carvalho –
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